Hoje vou partilhar convosco um texto de uma linda mulher que eu admiro imenso!
Sofia Machafo, tens o dom de pôr em palavras os meus pensamentos profundos.
Obrigado.
Aqui vai, leiam e guardem dentro de vós:
Receita para criar uma mulher mandona:
ingredientes:
- Uma cultura de culpa e vergonha
- Excesso de afazeres e sentido de responsabilidade
- Imagem cultural da mulher que aguenta tudo e mantém o seu ar plácido e cooperante
- retirar famílias alargadas de qualidade
- Deixar apenas julgamentos de valor
Colocar tudo isto na panela de pressão da vida comum e aí as temos.
Os filhos nascem e elas são as sacrificadas, que andaram com grandes barrigas e pariram com dor. E agora não dormem e dão de mamar. E agora já não dão de mamar e têm de trabalhar e chegam a casa para cuidar do jantar, da loiça, das roupas, do bebé e dormir...
As mulheres não são ensinadas a pedir. São ensinadas a aguentar. A mãe-sacrificada continua a ser o nosso modelo. Achamos normal teoricamente, enquanto na realidade não aguentamos e acabamos por ser a mãe sacrificada revoltada que já não consegue pedir sem um travo de amargura.
As mulheres pedem quando já falhou. Antes, muitas vezes, esperaram que os maridos adivinhassem o que havia a fazer e dizem: "mas a mim também não precisam de me dizer o que fazer." Mas isso não é verdade.
Desde que uma menina nasce ela é ensinada a ver o que há a fazer.
As mulheres querem ser ajudadas mas não poucas vezes é pior a emenda que o soneto, porque não é claramente melhor uma má ajuda do que ficar sem ajuda. Pedir ajuda pressupõe que se aceitam ajudas como elas vierem. Os outros não são as nossas réplicas.
Então às vezes é tentador mandar o marido ir dar uma volta com os miúdos para finalmente podermos cuidar da casa.
E embora fosse bom envolver todos desde cedo, as crianças começam por atrapalhar mais do que ajudam e os maridos, quantas vezes parecem crianças grandes.
"Todos sujam e só eu é que limpo"
Quantas vezes ouvi isto.
Quantas vezes o disse...
Os rapazes na esmagadora maioria das vezes não foram preparados para cuidar da casa. Nem para cuidar das pessoas. Foram preparados para cuidar de si, e muitas vezes nem isso.
As meninas são preparadas para evitar dizer não. Para evitar levantar confusão. E é toda uma cultura de excelência que lhes mostra modelos físicos, modelos de donas de casa perfeitas, modelos de mulheres de carreira. Modelos por toda a parte.
E depois, uns e outros crescem e esbarram-se no muro dos seus sonhos que aparentemente são os outros com a sua inépcia.
Decepção. É a palavra.
E eu vejo, as mulheres mandonas por toda a parte. Dizem aos maridos como devem pegar nos filhos, e para não segurarem assim, e para não dizerem isso, e para irem fazer isto e aquilo.
E vejo os maridos a aguentar, a tentar ter paciência, e a perder a paciência com uma namoradinha que se transformou num carrasco exigente e descontrolado.
Há cada vez mais homens que AJUDAM. Muito obrigada... E as mulheres? Ajudam? Ou fazem?
E as crianças? Ajudam?
As crianças observam e repetem.
Uma coisa que vejo muito em mulheres mandonas é que compram bem mais do que precisam.
A razão é sempre a mesma. Tentativa de controlar o descontrolado. O seu pânico de não ser suficiente.
Muitas compras parecem aliviar por momentos.
Transição para um mundo sem petróleo, com menos consumo e menos desperdício, com uma gestão racional de recursos e de relações; começa nas famílias e acaba nas famílias.
As mulheres mandonas podem levar uma chapada. Tem sucedido. Ou acaba tudo aos berros com os miúdos no quarto a ouvir. Com medo e consternação.
Ou...
Passa-se à maturidade.
Cuidar da terra. Cuidar das pessoas.
Já escrevi outro post que falava das famílias demasiado pequenas.
E sublinho o peso do excesso de exigência. Casas desarrumadas, isolamento, vergonha. Ou casas arrumadinhas, com um bando de stressados lá dentro.
E a carreira, o trabalho... as horas... a falta de dinheiro... o consumo em excesso mesmo assim...
As mães mandonas compreendem-se quando param de querer fazer de conta que estão certas. E que todos os outros estão errados.
Simplesmente são necessárias familias alargadas inventadas, criadas por escolha, como prioridade sobre qualquer arrumação de casa. Parar de tecer críticas constantes para dentro e para fora como um ricochete de stress.
Ninguém nos conhece realmente. Ninguém sabe. Ninguém imagina. O que é.
E no entanto... é uma infestação de exigências e descontentamento por essas famílias fora. Cabeças enterradas na areia... "aqui em casa não... tudo bem...ele até ajuda... e eu prefiro fazer as coisas e já não discuto"
Tinha piada, criar um novo modelo. A casa desarrumada com um placard à porta: "Aqui, as pessoas têm tempo umas para as outras".
E depois convidavam-se os vizinho para verem. Estávamos orgulhosos: "Estes somos nós. E esta é a nossa casa"
E os vizinhos roíam-se de inveja e queriam ser assim também. Descontraídos. Realizados. Sem culpa, sem vergonha. Sem ter de provar nada a ninguém.
E as mães recentes íam às casas umas das outras ver a bagunça umas das outras e era um alívio! Aahhh, afinal aqui também é assim.
claro... com felicidade. Aqui as pessoas importam mais.
E quem sabe, não podia ser programa de domingo com os amigos. Juntar-se tudo na casa de um com lanchinho volante e tudo a arrumar a sala. "Epá!! que belo postal de 1987!" E ficavam todos orgulhosos da bagunça dos amigos.
Retirava-se a culpa, retirava-se a "obrigação", retirava-se a vergonha, o stress, o desatino. E cuidar da casa passava a ser mesmo, objectivamente só isso. Um exercício de partilha de algo sem componente emocional, sem sentimentos destrutivos, sem solidão.
"O que fazem hoje?"
"Ah, hoje vamos arrumar a sala"
"Fixe.. nós hoje queremos arrumar a garagem."
E era um programa como outro qualquer. Como ir á esplanada da praceta e comer uns caracóis, ou beber uma 7up com os amigos. Os mesmos que nos adoram. Por sermos gente de paz.
Sofia Machado.
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